quinta-feira, 27 de março de 2014

Eu me chamo Antônio - Pedro Gabriel



   Em outubro de 2012, Pedro Gabriel inaugurou a página Eu me chamo Antônio no Facebook, para compartilhar os desenho e as frases que rabiscava com caneta hidrográfica em guardanapos nas noites em que batia ponto no Café Lamas, um dos mais tradicionais bares do Rio de Janeiro. Em menos de um ano, conquistou mais de 300.000 seguidores entusiasmados. Em seu primeiro livro, ele apresenta uma das histórias vividas por seu alter ego em noites regadas a muito chope, desde a cuidadosa aproximação da pessoa desejada, o encantamento e a paixão, até o sofrimento provocado pela ausência e a dor da perda. Mas como uma noite é sempre diferente da próxima, Antônio ri de si mesmo e sempre parte para outra.

       Quando eu comprei este livro, ainda não tinha noção alguma do que se tratava. Eu comprei apenas porque... bem, eu não sei porque eu comprei. Acho que foi a compulsão consumista de livros que se apodera de mim quando entro em uma livraria. Não tem nada a ver com a capa bonita. Eu já havia visto alguns dos famosos guardanapos, mas não fazia ideia que o livro era composto por frases e desenhos. 

       Acredito que eu não deva falar sobre estas tais frases, afinal é poesia e cada um deve interpretá-la e senti-la como quiser.  Porém, posso dizer que são frases leves e muitas vezes cômicas, sobre o amor, sobre não desistir, sobre a dúvida, entre outros. 



      
       Pesquisando sobre o autor, Pedro Gabriel, eu encontrei sua página no Tumblr e fiquei encantada com os textos mais longos que estão lá. Por isso, eu resolvi postar aqui qual eu mais gostei daqueles que eu li e, espero que vocês gostem também. 

[a última carta]

A última carta que escrevi foi em dois mil e sete; eu tinha vinte e três anos e ela dez páginas. Era uma carta de amor, pelo menos achei que fosse, em papel de linho branco, com gramatura 180. Optei por uma caligrafia mais simples para ter certeza que a destinatária entendesse todas as palavras escritas. Usei tinta nanquim de uma marca chinesa – dizem que são as melhores, e uma pena antiga, presente do meu pai. Para escrever cartas de amor, escolha sempre a melhor tinta, assim daqui a dez, vinte ou cem anos, você terá certeza de que as palavras estarão ali com a mesma força, ou fraqueza do dia que você selou a carta, lacrou o envelope e entregou com todo carinho para a moça dos correios. Cartas de amor, depois de um tempo, deixam de ser cartas de amor e passam a ser cartas de saudade para alguns ou cartas de remorso para outros.

Levei doze dias para terminá-la e até hoje não me lembro de ter posto um ponto final.

Se eu relesse essa carta, provavelmente acharia um pouco cafona: culpa da minha imaturidade adolescente. Mas tinha passagens bonitas, eu lembro. Não a decorei. Não sei dizer palavra por palavra o que estava escrito. Mas sei sentimento por sentimento o que por escrito foi dito. Hoje em dia os e-mails, as mensagens de chat, os comentários nas postagens, tomaram conta da troca de palavra. Se o nosso tempo fosse uma estação, seria o inverno. Estamos sós, conectados com tantas outras solidões. Somos frios, uma fina melancolia sempre parece nos forçar a rir (kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk). As risadas não são tão engraçadas. E isso me dá silêncios. Longos silêncios. Acho que descobri o motivo de eu demorar tanto para responder meus e-mails. Vivo no ritmo das cartas. Ah, preciso evoluir! Ah, preciso aceitar que acabou! Mas por que ninguém me mandou ao menos uma carta para avisar?

Sou do tempo do amor nos tempos do cólera. Sou do tempo em que a espera tempera a palavra, valoriza o conteúdo. Sou daquele tempo e ainda tenho vinte e nove anos. Você ainda lembra da carta que não escreveu por preguiça, por achar uma forma ultrapassada de se revelar ao mundo ou por simplesmente preferir o instantâneo e julgar mais conveniente dizer tudo que sente em poucas palavras? Ah, se você soubesse o quanto ela poderia mudar a vida de alguém. Não estou pedindo para que você seja Florentino Ariza e espere 51 anos, 9 meses e 4 dias por um grande amor que talvez nunca chegue. Eu também gosto da rapidez dos nossos tempos, mas, às vezes, o amor pede mais de 140 caracteres. Meu pai até hoje me manda os tais cartões postais. São breves palavras que encurtam a distância de 10.000km que nos separam, e abrem sorrisos capazes de criar uma ponte entre o Rio de Janeiro e a cidade de Chur, na Suíça.

Fernando Pessoa, na pele de Álvaro de Campos, diz que todas as cartas de amor são ridículas. Guimarães Rosa revela que a vida quer coragem da gente. E eu concordo, Álvaro. E eu te dou toda razão, Guimarães. Queria eu, naquele dia em que lacrei o envelope, ter sido mais ridículo e ter tido muito mais coragem. Isso evitaria o meu remorso ao confessar nesse momento que a última carta que escrevi foi em dois mil e sete; eu tinha vinte e três anos e ela nunca foi entregue.

Com carinho,

Pedro Gabriel



PS: (talvez um dia eu mande por whatsaap )

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